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08 março 2024, 11h22

Pietra

Pietra em ação

RECORDAR PIETRA

Uma semana após o seu 70.º aniversário, Pietra deixou-nos, mas perdurará no panteão dos grandes jogadores do Benfica. Personificou como poucos, nos relvados, a mística benfiquista, e, fora deles, transmitiu-a sempre com sentido de missão de defesa e engrandecimento do Clube.

Natural de Lisboa, foi criado no Bairro do Caramão da Ajuda. O jovem Minervino e a bola eram inseparáveis. A glória do Benfica dizia que a Serra de Monsanto fora o seu quintal enquanto cresceu e costumava contar que, "se não apareciam amigos, jogava à bola com os pinheiros". Para Pietra, passar a bola às árvores e dominá-la de volta num terreno irregular e repleto de obstáculos foi essencial para o desenvolvimento da sua técnica individual. "Ajudou-me muito a tornar-me jogador de futebol", complementava.

Nos anos 60 do século passado, um adolescente com aptidões futebolísticas, residente naquela zona da capital, iria, mais tarde ou mais cedo, aos treinos de captação do Belenenses. Assim fez Pietra, tendo ingressado no clube da Cruz de Cristo aos 15 anos. Começou nos juvenis, passou pelos juniores e foi ainda com a idade desse escalão que se estreou pela primeira equipa.

Foi célere a ganhar a titularidade, notabilizando-se pela rapidez, técnica, garra e pelo bom remate que lhe valeu alguns golos, incluindo ao seu futuro clube no dia seguinte a ter contraído matrimónio. Ainda antes de ingressar no Benfica, aos 22 anos, em 1976, foi internacional A cinco vezes, estreando-se pela Seleção Nacional, em 14 de novembro de 1973, frente à Irlanda do Norte.

Pietra no onze

No primeiro jogo de águia ao peito (no Brasil ante o Santa Cruz em 15 de agosto de 1976) começou na posição de extremo-direito, passando para a esquerda após o intervalo, sendo substituído, pouco depois dos 70 minutos, pelo ainda júnior Chalana. E aplicou-se nos lances defensivos. Escreveu-se no jornal A Bola, em legenda a uma imagem de uma ação do reforço benfiquista: "Pietra a defender! Quando o foi buscar ao Belenenses, o Benfica pensou nele, certamente, como centrocampista. Mas a necessidade obriga. E, neste caso, o Santa Cruz não deixou ao antigo jogador 'azul' outra alternativa. Por isso, aqui o vemos, integrado no setor defensivo, a cortar, de cabeça, um lance de ataque dos brasileiros". Logo ao primeiro jogo, uma amostra da versatilidade que se tornou numa das suas imagens de marca.

Com efeito, Pietra, ao longo de 11 temporadas na Luz, foi utilizado em 407 jogos da equipa de honra (incluindo amigáveis – 325 oficiais), predominantemente nas laterais. De acordo com o levantamento de Alberto Miguéns publicado no jornal O Benfica, integrou o onze inicial em 379 partidas, ocupando a posição de defesa-direito em 199 e de defesa-esquerdo em 97.

Atuou como médio-direito em 40 jogos, médio-centro em 28 e médio-esquerdo em sete. E até começou como defesa-central, em ambos os lados, extremo-direito e esquerdo e, inclusive, ponta de lança. Só não foi guarda-redes, apesar de ter sido essa a sua posição quando experimentou o andebol. Marcou 34 golos (26 em jogos oficiais, 19 no Campeonato Nacional).

Pietra

A estreia em competições oficiais não correu de feição (derrota no José Alvalade por 3-0), embora, no plano individual, a exibição de Pietra, como defesa-esquerdo, tenha merecido elogios na Imprensa. Essa foi mesmo a posição em que mais jogou na primeira temporada pelo Benfica, contribuindo decisivamente para o quinto tricampeonato do palmarés encarnado. Esteve em 26 dos 30 jogos do título, obtendo quatro golos, entre os quais dois, em cinco minutos, na vitória, por 3-1, na Luz, diante do FC Porto.

Na temporada seguinte, a segunda de águia ao peito, apesar de ter alinhado na lateral direita numa fase inicial, foi sobretudo no meio-campo que foi utilizado. Somou sete golos, incluindo os das vitórias na Luz e em Copenhaga (ambas por 1-0 ao B1903 – hoje FC Copenhaga), que deram a passagem aos quartos de final da Taça dos Clubes Campeões Europeus.

Sem títulos ou troféus em 1977/78, nota para um percurso inédito e por repetir no Campeonato Nacional: apesar de ter terminado a prova invicto, o Benfica classificou-se no 2.º lugar em igualdade pontual com o FC Porto. Aplicando-se o critério de desempate atual, teria conseguido o primeiro tetra da sua história, mas valia a diferença entre golos marcados e sofridos.

Pietra

Na terceira época na Luz, a contas com problemas físicos, foi utilizado intermitentemente, quase sempre como médio-direito. Ajudou a vencer uma Taça de Honra, disputada já em abril. Daí partiu para duas temporadas de grande nível, na primeira como médio-direito, na segunda como defesa-esquerdo. Foi determinante na conquista da Taça de Portugal em 1979/80 e na dobradinha da seguinte, um feito que não era alcançado pelos encarnados desde 1971/72.

Voltou a ter problemas físicos em 1981/82 e ganhou novo fôlego com a chegada de Eriksson em 1982. Nos dois anos de grande sucesso benfiquista com o treinador sueco ao leme da equipa, Pietra foi titularíssimo, quase sempre como lateral-direito. Bicampeão nacional e vencedor de uma Taça de Portugal, foi finalista da Taça UEFA. Manteve a titularidade em 1984/85, já com Csernai no banco, tendo a fama de ter sido um dos jogadores que escalaram o onze inicial na final da Taça de Portugal ganha, por 3-1, frente ao FC Porto.

Com o regresso de Mortimore, em 1985, com quem participou no triunfo da Supertaça e fez parte do percurso vitorioso na prova-rainha do futebol português (esteve nos 2-1 ao FC Porto e nos 5-0 ao Sporting nos oitavos e quartos de final, respetivamente), foi perdendo protagonismo, pendurando as botas no final de 1986/87, numa temporada de dobradinha, mas sem ter disputado qualquer jogo oficial. Fez a última partida num particular com o Belenenses, a contar para a Taça Amizade, em 3 de setembro de 1986. Ainda participou em alguns jogos das reservas.

Pietra como treinador

A carreira de Pietra no Benfica foi extraordinária. Em 11 temporadas, de 1976/77 a 1986/87, foi campeão nacional quatro vezes e vencedor de cinco Taças de Portugal, duas Supertaças e duas Taças de Honra. Fez ainda parte do plantel que conseguiu a dobradinha na sua última época de águia ao peito.

Jogou na primeira equipa do Benfica em 407 jogos (24.º no ranking), dos quais 325 em competições oficiais (22.º). É o 20.º, com Cruz, com mais jogos de águia ao peito no Campeonato Nacional (228). Representou a Seleção A portuguesa em 28 ocasiões.

A polivalência em campo está destinada a atletas com elevado QI futebolístico, pelo que não surpreende que, abandonada a carreira de jogador, Pietra, talvez o mais polivalente futebolista de sempre do Benfica, tenha enveredado pela de treinador.

Foi adjunto no Boavista, principal no Alverca e Juventude Évora, de novo adjunto (Boavista, Belenenses e Alverca), regressando ao Benfica em 1997, como membro da equipa técnica liderada por Manuel José. Prosseguiu no Estoril Praia, primeiro como adjunto, depois como principal, e esteve no comando técnico do Barreirense. Abandonou o futebol em 2001 para se dedicar à restauração, tendo voltado ao Benfica em 2007 para desempenhar o cargo de observador no departamento de prospeção.

Com a chegada de Jorge Jesus à Luz, passou a fazer parte da equipa técnica como adjunto, num papel de grande proximidade com os jogadores, função que manteve até 2022, trabalhando ainda com Rui Vitória, Bruno Lage e Nélson Veríssimo, e contribuindo para a conquista de seis Campeonatos Nacionais, duas Taças de Portugal, seis Taças da Liga e quatro Supertaças. Continuou vinculado ao Clube até ao seu falecimento. Tinha 70 anos.

Obrigado, Pietra!

Pietra

Texto: Redação
Fotos: Acervo SL Benfica
Última atualização: 21 de março de 2024

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