"O Benfica dá-me tudo"

Há dois anos, recebi, no mesmo estúdio da BTV, Roger Iribarne. Continua a haver, no atleta cubano, uma clareza peculiar nos seus olhos quando o tema é gratidão.

A saudade continua no mesmo sítio, alojada e límpida como as águas das Caraíbas, mas com um sentimento pelo Benfica que é irrevogável: "O Benfica é algo que ficará para a vida. Jamais esquecerei o que o Clube significa para mim. A forma como fui acolhido, como me fez sentir em casa. O Benfica é isso, para mim. É casa", afirmou o barreirista, convidado no programa Protagonista.

Permanece à espera da nacionalidade portuguesa, o que lhe permitirá cumprir o destino que começou a ser escrito na famosa Escola Nacional de Atletismo de Cuba. A mesma que lhe desenvolveu o potencial, de início, mas que estranhamente o suspendeu, não permitindo que Iribarne pudesse competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio (2020), apesar de ter atingido a marca que o deveria levar à maior competição desportiva do mundo.

"Foi aí que percebi que o meu país de nascença não me daria as oportunidades que eu procurava para ser um dos melhores atletas mundiais da minha especialidade. Estive quase a desistir, porque, em Cuba, já não tinha condições para perseguir o meu sonho. Acabaram com elas. Tive de procurar um local que me acolhesse, que me desse essas condições para desenvolver o meu potencial. Esse lugar é o Benfica."

O MELHOR DO MUNDO

"[Ser o melhor do mundo] Continua a ser o meu grande objetivo. Há dois anos, quando aqui estive, neste programa, disse que queria ser o melhor do mundo. Hoje, digo-o ainda com mais convicção, porque sinto que sou um atleta mais experiente e ainda melhor do que era há dois anos. Ainda me falta competir nuns Jogos Olímpicos ou nuns Mundiais de atletismo, por Portugal, mas vou lá chegar. Estou num clube que me oferece todas as condições para concretizar o meu sonho, e acredito que vou cumprir esse desejo de ser o melhor do mundo. Deixei Cuba com esse espírito, consciente de que teria de trabalhar imenso para chegar ao nível a que me propus. E, ainda mais importante, as pessoas, no Benfica, viram em mim esse potencial para estar entre os melhores, e acho que já demonstrei que consigo isso. Não vou desiludir quem apostou tanto em mim e quem, desde que cheguei ao Benfica, me fez sentir especial."

O SENTIR-SE "PORTUGUÊS"

"Portugal acolheu-me de uma forma incrível, e todos os dias penso em como vou retribuir tudo o que o Benfica e este país me têm dado. Sou melhor atleta do que quando cheguei, e isso só se tornou possível porque fui muito bem acolhido em Portugal e pelo Benfica. Sou um profissional do atletismo, tenho condições de treino incríveis, e adoro Lisboa, porque é um sítio muito acolhedor para quem chega de fora. Na verdade, sinto-me um privilegiado, e só tenho a agradecer por tanto carinho. Claro que retribuo com o melhor de mim, mas quero mais, quero, finalmente, obter a nacionalidade portuguesa, disputar as grandes competições internacionais e trazer medalhas para o país que me deu todas as oportunidades quando o meu país não me quis. Nunca pensei em regressar a Cuba ou voltar a disputar os Mundiais ou os Jogos Olímpicos por Cuba, porque é por Portugal que o quero fazer, assim que esteja autorizado para o fazer. Representar Portugal vai ser um dos momentos que recordarei para sempre na minha vida."

NACIONALIDADE PORTUGUESA

"Acredito que esteja para chegar, acredito que ainda neste ano possa disputar os Mundiais de pista ao ar livre, em setembro, que se vão disputar na China. Vou preparar-me para isso. É muito frustrante, para mim, ver pela televisão as grandes provas, como os Mundiais, os Europeus e os Jogos Olímpicos, e ver os melhores atletas a fazer marcas que eu sei que posso igualar ou superar. Porque eu também os enfrento, na Golden League, no inverno, ou na Diamonde League, no verão. Ainda agora, estou apurado para a final da Golden League, ainda neste mês, em Madrid. No último fim de semana, competi na Polónia, e na semana passada, em França, com os melhores barreiristas do mundo, que se estão a preparar para os Europeus e Mundiais de pista coberta, que se vão realizar em março. E, mais uma vez, não vou estar, porque ainda não tenho a nacionalidade portuguesa. Estou cá há quatro anos, e acredito que o processo esteja na sua parte final."

COMUNIDADE CUBANA

"Somos poucos, mas bons, no Benfica. Podemos falar de uma pequena comunidade cubana no Clube, entre atletas de várias modalidades. E somos muito unidos, convivemos uns com os outros e ajudamo-nos. Ter aqui atletas cubanos no Benfica, quando cheguei, ajudou-me imenso a superar aquele desafio inicial da adaptação a um país novo, uma nova cultura, novos costumes. Mas a proximidade e a amizade que existem entre todos nós têm sido fundamentais. E, claro, a forma como o Benfica nos integra, nos ajuda e nos acolhe."

A FAMÍLIA BENFICA

"Um dia, quando tentar explicar a um filho meu o que significa o Benfica, para mim? Direi que é família. É o que o Benfica significa para mim. A minha família, em Cuba, e os meus amigos, todos sabem o que é o Benfica para mim. É o meu clube. Em Cuba, não entendem muito bem isso, porque em Cuba não temos os clubes, por isso é difícil explicar como podemos desenvolver este sentimento por um clube. Mas, em Cuba, já existem atletas que disputam as suas provas com as camisolas do Benfica que enviamos para lá. E andam com as camisolas do Clube, vestem-nas com muito orgulho. E isso é muito importante, para nós, porque estamos a contribuir para a grandeza do Benfica e, de alguma forma, retribuir um pouco o que nos tem sido dado pelo Clube. E muitos deles sonham em vir para o Benfica, como nós viemos."

COMO UM FERRARI NA GARAGEM

"Não poder disputar as grandes provas mundiais, sabendo que estou entre os melhores barreiristas do mundo, é algo que quero que mude na minha vida. Não sei se é o mesmo que ter um Ferrari na garagem. Mas sinto-me um tigre enjaulado, à espera de que uma porta se abra para poder mostrar a minha garra e a minha vontade de vencer. Mas isso vai mudar, e vou correr atrás das medalhas e do meu objetivo de ser o melhor do mundo."

O FAMOSO BACALHAU

"Tenho tentado conhecer a cidade, o país, mas ainda falta muito. Mas gosto de conhecer mais da cultura de Portugal, gosto de Lisboa, gosto da comida. Há muitos pratos de que gosto muito, como o bacalhau. Aqui o bacalhau é feito de muitas maneiras e muito utilizado na noite do Natal. E também gosto da carne de porco à alentejana. São muitos pratos bons, saborosos, porque a gastronomia portuguesa tem muita diversidade. Claro que tenho de ter cuidado, porque, para chegar a melhor do mundo, tenho de fazer muitos sacrifícios. Mas, por vezes, dou umas facadas na minha dieta."

HÁ MAR E MAR

"Já experimentei as praias em Portugal, em Carcavelos e ali na linha. São praias bonitas, mas a água é muito fria. É entrar e sair. Parece que estou a entrar numa banheira de gelo, depois dos treinos. É boa para isso, depois dos treinos, estar ali com o corpo ainda quente, cinco minutos e vir embora. Estou habituado às águas quentes das Caraíbas. Mas as praias são bonitas, e gosto muito de as frequentar, porque, sendo cubano, gosto muito de praia."