Ás do passado honrado por ás de agora

ENTREVISTA

Alexandre Yokochi, o primeiro português que pôs este país a ver natação pela televisão, que ainda é o detentor da melhor marca nacional em Jogos Olímpicos, completa 60 anos neste dia 13 de fevereiro. A viver nos Estados Unidos, onde é professor universitário de Engenharia Química, recebeu uma videochamada de Lisboa, da BTV, a propósito do seu aniversário, o que não terá causado estranheza. A surpresa estava no jornalista da estação televisiva do Clube, que não foi imediatamente reconhecido.

Diogo Ribeiro, o prodígio destes tempos – à semelhança do que Yokochi foi nos anos 1980, quando foi o primeiro nadador (e permanece o único) a levar a bandeira portuguesa a uma final olímpica, em Los Angeles 1984 –, vestiu a pele de jornalista e mergulhou na missão de entrevistar a grande referência da natação nacional.

Diogo Ribeiro: Olá, Alexandre, tudo bem? Hoje vou ser eu o jornalista, OK?

Alexandre Yokochi: OK!

DR: O que é que tem feito nos últimos anos?

AY: Sou professor de Engenharia, é o que estou a fazer. Viu o meu background falso [referindo-se à imagem de fundo da videochamada]? É um dos nossos laboratórios de investigação de engenharia aqui.

DR: Devo chamar-lhe dr. Yokochi, então?

AY: Sim, ou Alexandre, seja o que for.

DR: OK, uma das duas pode ser, não é? Então, diga-me uma coisa: como é que um campeão de natação se torna professor e investigador na engenharia química? Não tem nada que ver...

AY: Os nadadores tinham de ser todos estudantes, porque sabíamos todos que tínhamos de ter uma profissão depois. E, na altura, eu era estudante de Engenharia Química, e é no que estou metido.

DR: OK. E está a gostar?

AY: Sim, foi uma boa escolha.

DR: OK, OK, OK. Então e continua a nadar?

AY: Continuo a nadar todos os dias, mas só para recreação.

DR: Conheceu a sua mulher, Annette, por causa da natação...

AY: Ela era da equipa. De facto, foi o irmão dela que me recrutou para a equipa aqui nos Estados Unidos. A equipa universitária em que nadávamos durante o ano letivo. Ela também era atleta na equipa e era a outra estudante de Engenharia na altura. Então, passámos muito tempo juntos.

DR: Mas eram os dois nadadores então?

AY: Sim. Ela era de distância, e eu era das provas que sabe.

DR: Sim, sim, engraçado. É verdade que casaram num museu?

AY: Sim, no Museu da Aviação em Seattle.

DR: Ah, muito bem. Como é que foram parar ao museu?

AY: Nós sempre gostámos os dois muito de aviação. Somos os dois pilotos não profissionais, pilotos privados. Como gostamos muito de aviões e de outra tecnologia, foi uma escolha interessante para ter o casamento.

DR: Sim, muito interessante mesmo. Os vossos três filhos também nadam?

AY: Também nadam. Nenhum deles nadou competitivamente. Mas nadam também por manutenção.

DR: Não há nenhum que queira ir mais longe na natação?

AY: O mais novo tem ideias de que se calhar queria, mas acho que não é necessário estar a tentar fazer coisas dessas.

DR: E outros desportos?

AY: Sim, ele gosta muito de vela também. Mas vela é um desporto que precisa de condições diferentes.

DR: O Alexandre partilha vários gostos comuns com a Annette. A natação, o mergulho e pilotar aviões, como disse há bocado... Já estou a ver que ainda não me reconheceu. Sabe quem sou?

AY: Eu reconheço a imagem, mas não estou a pôr no contexto certo, penso eu.

DR: Sou o Diogo Ribeiro, nadador português, nadador olímpico...

AY: Sim, sim! Mariposa e livres, qualquer coisa assim do género, não é?

DR: Sim, sim. Primeira vez que estamos a falar. Um prazer! A melhor classificação nuns Jogos Olímpicos ainda é sua!

AY: Estávamos quase. Passei o verão nos Jogos Olímpicos, passei o tempo a ver. Eu vi a tua prova, de facto. Por isso é que te estou a reconhecer, exato.

DR: Agora, os próximos Jogos Olímpicos vão ser em Los Angeles também, como foram os seus na sua melhor classificação. Pode ser que também consiga fazer uma final, talvez...

AY: Acho que sim. Acho que era uma boa ideia. Se o Comité precisar de mim lá em Los Angeles para servir de guia turístico, não há crise. Que me mandem vídeo, e eu apareço lá.

DR: Gostava muito de o conhecer pessoalmente. E que conselhos é que me dá para a minha carreira?

AY: A tua carreira é o quê? Quais são os teus objetivos? Queres uma medalha olímpica? Eu gostava de ver uma medalha olímpica em Portugal, da natação.

DR: Quero, quero muito. Quais são os conselhos que me dá?

AY: Da minha perspetiva, estamos a falar dos meus 60 anos, não é? Da minha perspetiva, a duração da carreira de natação é supercurtinha. Tens para aí mais cinco ou seis anos no máximo, não é? Não sei. És sprint, talvez um bocadinho mais, mas é curto. Portanto, pá, leva isto suficientemente a sério, não te baldes aos treinos… Eu sei que é um bocadinho chato às vezes. Os teus amigos vão todos para a farra e vão aos filmes e vão fazer não sei quê... Pá, tu tomaste uma decisão há cinco anos, e agora é aproveitar essa decisão e avançar sem medo até chegares ao ponto em que decides: "Eh, pá, agora tenho de ir ser..." – Pá, não sei qual é o teu interesse, mas... – "tenho de começar um negócio, ou tenho de ir dedicar-me a outra atividade qualquer."

DR: Bem, eu já não saio à noite com os meus amigos desde os meus 16 anos. Há quatro anos. É duro, mas compensa.

AY: Exatamente, isso foi a minha vida também. Não há crise.

DR: Lembra-se?

AY: Vale a pena, compensa, e eventualmente compensa onde hás de chegar.

DR: O Benfica ainda está no seu coração?

AY: Sim. Olha, ontem tinha um estudante na minha aula que trouxe uma camisola do Benfica vestida, portanto…

DR: A sério?

AY: A sério! Eu não sei, não faço ideia absolutamente nenhuma de porque é que ele trouxe aquela camisola do Benfica, mas foi interessantíssimo ver aquilo...

DR: E continua a seguir os resultados da natação portuguesa?

AY: Eh, pá, não sigo o suficiente, porque não aparecem aqui nas notícias, e eu não sou suficientemente dedicado. Depois, para além de ser professor de Engenharia, sou reitor de investigação. Portanto, eu tenho de organizar vários trabalhos de investigação dos meus colegas, portanto, fico um bocadinho ocupado a trabalhar com o pessoal todo. Mas, olha, não sei se tens algum interesse, mas a investigação científica é exatamente como o desporto de alta competição. É exatamente a mesma coisa. Ficas superfocado numa disciplina, mesmo que seja assim uma coisa muito restrita, e queres ser o melhor do mundo naquela disciplina e avançar a tua ideia, como neste momento tens a tua maneira de nadar as tuas provas. Eventualmente, no meu campo, ficas superfocalizado em avançar a tua disciplina nesta direção. E todos os dias tens de tentar avançar, escrever artigos. Escrever artigos são as nossas provas do fim de semana. E às vezes podemos ir às provas grandes, que é uma conferência internacional com os colegas todos. Portanto, essa mentalidade que estás a desenvolver neste momento também ajuda no resto da vida depois em ficares bem focalizado no que hás de querer fazer. Portanto, prepara-te bem para a vida em geral.

DR: Vou analisar esse conselho, vou ver, vou ver. Olhe, muitos parabéns pelos 60 anos, e vou convidá-lo aqui a soprar a vela. Pode ser?

AY: OK!

DR: Tenho aqui um pastel de nata à Benfica.

AY: Um pastel de nata? Boa!

DR: À Benfica, atenção! Então, pode soprar?

AY: Posso [sopra mesmo, entre risos]!

DR: Muito bem, muito bem! Muitos parabéns!

AY: Obrigado!

DR: Até bato palmas! Obrigado, gostei muito de falar consigo e de o conhecer.

AY: E quando eu aparecer aí, depois tentamos juntar-nos em qualquer sítio.

DR: Sim, sim. Era isso que eu ia dizer. Ou que seja nos Jogos Olímpicos de LA, conhecermo-nos pessoalmente. Não sei se vem cá, entretanto, mas gostava de o conhecer pessoalmente e falarmos um bocadinho melhor.

AY: Ou isso... Exatamente!

DR: E é isso, a nossa conversa está terminada por aqui. Obrigado pelo seu tempo.

AY: Obrigado pela lembrança do pastel de nata!

Artigo publicado na edição de 14 de fevereiro do jornal O Benfica