Voleibol

10 maio 2024, 10h10

Entrevista Marcel Matz

Marcel Matz

Marcel Matz é um dos obreiros do pentacampeonato masculino de voleibol. Um treinador apaixonado por Lisboa e pelo Benfica, que vive o Clube como um adepto ferrenho, e que, para além do sucesso como técnico, é também uma referência de proximidade com sócios e adeptos, seja nos pavilhões ou nas redes sociais.

Com 6 anos de Benfica e 13 títulos conquistadoscinco Campeonatos Nacionais (consecutivos!), cinco Supertaças e três Taças de Portugal –, e na ressaca da conquista do penta, Marcel Matz mantém a sede de vitórias, ainda que reconheça que mais difícil do que ganhar é continuar a ganhar.

Numa entrevista ao programa 105×68, da BTV, o técnico encarnado analisou os 6 anos de trabalho no Clube e os já muitos troféus alcançados, que, no entanto, não o fazem acomodar-se. Marcel Matz quer mais, e para isso há que trabalhar com "seriedade e respeito".

Entrevista Marcel Matz

SEIS ANOS DE HISTÓRIA(S)

"É uma bonita história. É uma história de uma modalidade que já tinha sucesso antes de mim, com a liderança do professor José Jardim. Agora, continuamos a trabalhar, ano após ano, para tentar vencer. Não é nada fácil, mas é mérito de muita gente. Fico feliz em ter terminado mais uma época com o título de campeão nacional, mesmo tendo perdido a Taça [de Portugal] pouco antes dos play-offs. No final, o saldo é positivo e enche-me de orgulho e de felicidade."

EXPETATIVA VS. REALIDADE

"A expetativa era trabalhar ano a ano. Eu trouxe a minha família, mas, por mais que criemos vínculo, sabemos que no desporto de alto rendimento podemos ter de fazer novas mudanças. Então, foi muito com os pés no chão, ano a ano, a tentar fazer o melhor, para ver o que ia acontecer. A expetativa é sempre de fazer o melhor ano. E já há alguns anos que o trabalho está a dar certo, não é só medido pelo resultado das competições – ainda que para os adeptos e para o Clube seja sempre importante vencer troféus –, mas também pela evolução da modalidade, também no feminino. Fico feliz que o voleibol continue a crescer, não só no Benfica, mas em Portugal."

Marcel Matz

"Não sou mágico, não faço magia. Temos o nosso modelo e trabalhamos em cima disso"

Marcel Matz

APOSTA NA FORMAÇÃO

"Não sei se há juventude suficiente [para integrar a equipa sénior]. Vou ser franco: a equipa do Benfica é uma equipa de nível muito alto. Tentamos jogar a Liga dos Campeões, tentamos crescer, e, para isso, precisamos de jogadores de qualidade muito alta. Não sei se o volume que temos hoje, de atletas com capacidade física, etc., consegue fornecer muitos jogadores para a equipa sénior, principalmente no sector masculino. Acho que isso ainda é o mais difícil. No feminino, sim, acho que é possível, mas no masculino, em função do nível que é a equipa do Benfica, se surgir um ou outro a cada um/dois/três anos, já é um bom fruto, já é sinal de que o trabalho da formação está a dar certo. Para formar um atleta do nível que o Benfica exige hoje na categoria sénior masculina é preciso uma base mesmo muito grande e é preciso, principalmente, estar alinhado às características que o voleibol exige. Por exemplo, o tamanho, que são coisas que não são as principais características do povo português."

Entrevista Marcel Matz

PROXIMIDADE COM OS ADEPTOS

"Atravessámos um momento, com a pandemia, onde nos conseguimos manter com bons resultados e manter viva a senda de títulos. Nós respeitamos sempre todos os adversários, lutamos por todas as bolas. E eu acho que quem vai ao pavilhão percebe isso, sente uma identificação muito por causa disso, pela batalha que criamos ali. Eu acho que se identificam um pouco com os jogadores que estão na quadra, e isso para nós é motivo de mais responsabilidade, mais trabalho, para continuar a ser esse bom exemplo. Claro que os resultados nos ajudam, mas a postura dos jogadores, a postura da equipa quando está a jogar, é uma das coisas mais comentadas pelos adeptos."

SERIEDADE COMO RECEITA PARA O SUCESSO

"Uma coisa que é muito simples, muito básica: a seriedade no trabalho. De todos. Não há distinção. Não há menos responsabilidade ou mais responsabilidade. Todos ali têm de fazer o que é preciso ser feito. Os próprios jogadores têm um regulamento interno que é muito bem administrado por eles, o que me facilita em termos de algumas regras que precisam de ser cumpridas. São homens muito trabalhadores. Eu acho que é uma das virtudes que eles têm: são muito trabalhadores, independentemente do que têm pela frente, trabalham muito, e temos de confiar que o trabalho vai dar resultado. Há jogadores que são muito fortes nesse sentido e acabam por alavancar os outros. E muitas vezes eu fico 'na minha', não posso atrapalhar. Há momentos em que, dependendo do modelo que está implementado, eu só tenho de administrar as peças, saber colocá-las no lugar certo, na hora certa, saber como encaixar com cada adversário, encaixar um treino que seja adequado em termos de volume e intensidade, e não atrapalhar. Porque se começo a atrapalhar muito, posso acabar com tudo."

Entrevista Marcel Matz

"Eu não tinha noção da dimensão do Benfica quando cheguei, mas posso perceber hoje que o Benfica é algo gigantesco"

RESPEITO E RESPONSABILIDADE

"Não sou mágico, não faço magia. Temos o nosso modelo e trabalhamos em cima disso. Temos várias alternativas e estratégias para fazer com que o dia a dia funcione e exija deles um desempenho alto, mas eu concordo que nos vamos cansando. Vamos tendo menos paciência, vamos ficando com uma relação mais direta, sempre, claro, com muito respeito. Isso é uma das grandes virtudes. Sempre nos respeitámos muito. Os momentos são intensos, não é fácil lidar. Trabalhamos com um grupo de 30 pessoas, sempre com exigência máxima. Então, nalguns momentos, tudo isso vai desgastando. Mas eu acho que a educação de todos, o respeito de todos, e o facto de cada um conseguir colocar-se no seu devido lugar, saber a responsabilidade que tem, aceitar as decisões tomadas, em função de uma equipa, de alguém que vai representar todos os outros lá dentro [da quadra], isso desde sempre funcionou muito bem. Ou seja, se continuar a funcionar, continuamos fortes a trabalhar; se as coisas começam a não funcionar, aí pode ser que seja a hora de mudar alguma coisa. Isso é o desporto, é a vida. Eu não o vejo como um problema, trocar uma peça ou outra, acho que é uma coisa normal e natural do desporto. Se é difícil lidar com um grupo pentacampeão? Eu acho que é mais fácil lidar com um jogador numa sexta ou sétima época com muitos resultados positivos, se ele tiver a cabeça boa, do que lidar com o mesmo jogador se não tiver resultado nenhum."

Entrevista Marcel Matz

ANO DURO E EXIGENTE

"O primeiro título foi muito difícil. Ganhámos uma Supertaça no ano da minha chegada, onde já senti muita intensidade em relação ao confronto, aos adeptos, tudo. Não sei se essa temporada foi tão difícil como esta. Eu nunca falo sobre lesões porque são coisas que podem acontecer, mas, em momentos cruciais desta época, ficámos com alguns problemas que afetaram o de sempenho da equipa, o desempenho da equipa nos treinos, principalmente. Aí o rendimento baixa um pouco, e começamos a ficar já com alguma desconfiança. O Bernardo [Westermann] rompeu o ligamento cruzado, o [Felipe] Banderó esteve parado cinco semanas em novembro, depois o Peter [Wohlfahrtstätter] magoa-se também e fica mais de um mês parado, recentemente, antes da Taça de Portugal. Ou seja, foi uma época difícil. Torcemos para que não aconteça nada, mas quando perdemos jogadores por mais de um mês, isso vai cau - sando algum tipo de tristeza. E, consequentemente, isso afeta o desempenho da equipa. Este ano foi um ano difícil."

NINGUÉM PÁRA O BENFICA

"O foco do Benfica é muito claro: internamente, queremos ganhar tudo. Temos investimento, temos estrutura física, temos capacidade de o fazer, e é o nosso objetivo principal, ganhar as competições internas. Desde o ano passado surgiu uma competição nova, a Taça Ibérica, que é uma competição que queremos tentar ganhar. A Espanha também tem lá um ou dois clubes com bom investimento, competitivos, que jogam a Liga dos Campeões também, já é uma competição de um degrau acima, mas é possível. Temos depois a nossa participação na Liga dos Campeões, que é mesmo uma participação para tentar ir o mais longe possível, para tentar vencer sets e tentar equilibrar jogos com os grandes adversários da Europa. Até onde pode ir a equipa de voleibol do Benfica? Para mim é muito claro. O Benfica não é um projeto. No Brasil, surgem algumas equipas de voleibol que são projetos de marketing, por exemplo, que podem durar dois, três, quatro anos. O Benfica é um clube centenário. Com certeza, depois do Marcel [Matz] alguém vai continuar a fazer história pelo Benfica. Tenho certeza de que vem muito mais gente pela frente para continuar a escrever história."

Entrevista Marcel Matz

SINERGIA E PARTILHA ENTRE MODALIDADES

"Para mim é sempre um motivo de aprendizagem, poder trocar informações. Toda a gente quer dar o melhor possível, e isso dá trabalho. Ninguém fica ali a tomar café nos corredores, está toda a gente a trabalhar. Ou seja, encontramonos, trocamos ideias, sabemos o que está a acontecer no gabinete ao lado, e torcemos uns pelos outros, como é óbvio. Comunicamos e tentamos estar sempre disponíveis para o que for preciso. Toda a gente sabe muito bem o que tem de fazer ali dentro. Há uma boa relação, tanto no masculino como no feminino. É um convívio interessante, quando acontece. Temos também os nossos mo - mentos dos Fóruns dos Treinadores, promovido pelo departamento de psicologia. Acho que o bom também é saber que, quando algum colega precisa, ou quer trocar alguma ideia, estamos sempre todos disponíveis para tentar dar uma solução. Porque, muitas vezes, em muitas coisas, por mais que sejam modalidades diferentes, nas questões do dia a dia, um colega pode ajudar a tomar uma decisão."

UMA DIMENSÃO INIMAGINÁVEL

"Estão todos convidados para continuar a apoiar todas as mo - dalidades. Estamos muito satisfeitos por todos os que nos acompanham, nos dão força, seja aqui no Benfica, seja fora, em Portugal ou na Europa. Eu não tinha noção da dimensão do Benfica quando cheguei, mas posso perceber hoje que o Benfica é algo gigantesco. Eu não tinha noção. Eu tinha a mesma noção da liga portuguesa. Achava que ia ter um bom trabalho, mas que não era uma liga tão forte. Achei que era uma boa liga para eu começar como treinador. Mas da dimensão do Benfica eu não tinha noção, mas agora tenho."

Entrevista Marcel Matz

O LADO PESSOAL

"Nos últimos dois meses, muito complicados, deixei tudo de lado. A minha vida é muito simples, muito simples mesmo. Posso dizer que acho que sou um bom exemplo em vários aspetos. Em todos os cenários, tanto como pai, filho, marido, treinador, procuro ser um exemplo, procuro ter tudo bem organizado. A minha vida é muito tranquila. Gosto da rotina, organizo-me na minha rotina. Eu ocupo-me muito durante o dia, quando há treinos bi-diários. Devo trabalhar umas oito ou dez horas em função dos treinos, pré-treino, pós-treino. Isso já ocupa bastante o meu dia. E, depois, são três filhos, um cão, a esposa. Não temos ninguém aqui para ajudar, fazemos tudo sozinhos. Mas está tudo sob controlo."

Texto: Filipa Fernandes Garcia
Fotos: Arquivo / SL Benfica
Última atualização: 11 de maio de 2024

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