"Amo o Benfica"

Carregar um país, nos ombros, não é uma tarefa fácil, mas ainda mais difícil se torna quando são dois países a sobrecarregar os membros superiores. É o caso da nova coqueluche do atletismo do Benfica, a são-tomense naturalizada portuguesa Agate Sousa.

Recentemente, no Meeting da Liberdade, que a Associação de Atletismo de Lisboa organizou, a saltadora benfiquista levantou voo, no salto em comprimento, e no seu primeiro salto fez 6,92 m. Ainda assim, porque o vento estava um pouco acima do regulamentar, esta marca não foi aprovada para efeitos de apuramento olímpico. Mas Agate Sousa, aos 23 anos, é uma atleta convicta, resoluta e que faz de cada salto uma espécie de catarse da própria vida. Tomou balanço, correu graciosa, mas determinadamente e enfrentou o bloco completamente vivaz e autoritária. Tinha a envolvê-la as raízes das suas origens e o acolhimento do seu novo país, como se, durante o salto, fizesse uma entrada em Portugal e aterrasse em São Tomé e Príncipe. Saltou 6,88 metros e conseguiu o apuramento para os Jogos Olímpicos.

"Foi realmente marcante esse salto, porque vai ficar na minha história e na história do atletismo são-tomense e português. E, claro, na história do Benfica, que assim estará sempre ligado a esta marca e ao facto de ter mais uma atleta nos Jogos Olímpicos. É um sonho que se torna realidade e que faz valer a pena todos os que sacrifiquei desde que, há quatro anos, vim para Portugal. Tudo valeu a pena, mas agora estamos apenas no início", disse-me Agate Sousa, que foi a convidada que recebi, nesta semana, em estúdio, no programa Protagonista, da BTV.

Durante a conversa prévia à gravação e, depois, no decorrer do programa, percebi que existe uma candura nos olhos que disfarça a tenacidade com que se atira ao treino e à competição. Não são duas personalidades que se antagonizam, pelo contrário, juntam-se, completam-se e terminam numa apresentação de firmeza tranquila, serena, que molda o caráter da saltadora do Benfica.

ASCENSÃO METEÓRICA

Se um meteorito passasse agora pela Terra, quase seguramente lhe poderíamos chamar Agate. Porque a forma como tem conseguido superar as suas próprias marcas e obter um reconhecimento que já é internacional é algo que tem sucedido de uma forma realmente meteórica. A marca com que conseguiu o apuramento olímpico é a 5.ª melhor do ano.

"Foi uma marca muito boa, mas o objetivo é continuar a melhorar. Não é a minha melhor marca, pois essa obtive-a há um ano – 7,03 metros, num meeting internacional na Alemanha –, e, portanto, quero continuar a subir, a evoluir. O meu objetivo é estar entre as melhores de Portugal e do mundo, e tenho um longo caminho a percorrer até lá. Tenho o objetivo de bater o recorde nacional português, já que, nesta altura, tenho a segunda melhor marca de sempre, e acredito que o vou alcançar. Quem sabe se nos Jogos Olímpicos, onde terei de estar muito bem preparada, para competir a um nível alto", adiantou.

Desde maio do ano passado, quando ultrapassou a mítica barreira dos 7 metros, em Weinheim, que Agate Sousa se fixou ainda mais no objetivo de ascender a um nível que a venha a colocar entre as melhores saltadoras do mundo. Porque só assim fará sentido ter vindo para Portugal, deixando para trás umas origens que são o que a definem como pessoa.

DE ROMA A PARIS

Roma, em junho, e Paris, em agosto. Este será o roteiro competitivo de Agate Sousa, já a representar a seleção portuguesa, se, entretanto, chegar a autorização da World Athletics. Em Roma, vão disputar-se os Europeus de Atletismo, e a saltadora do Benfica pode estrear-se numa grande competição continental. A marca que obteve no Meeting da Liberdade é a 5.ª melhor do ano, no mundo, mas é o 2.º melhor registo em termos europeus. O que abre boas perspetivas de Agate Sousa se estrear nos grandes certames de atletismo conquistando uma medalha.

No programa, Agate Sousa não quis dar-me uma resposta clara, até porque tem a noção de que as vitórias e os grandes resultados internacionais atraem mais pressão. Mas não é, verdadeiramente, o que a incomoda. Não quer é criar expetativas que depois possam não se cumprir. O olhar iluminado e o sorriso amplo não escondem o que lhe vai na alma.

"Conquistar medalhas nos grandes eventos é o sonho de qualquer atleta. Não ignoro que a minha marca, que obtive no Meeting da Liberdade, está entre as melhores do mundo e da Europa neste ano. E é uma marca que pretendo melhorar, em Roma e Paris. Para já, em relação aos Europeus, estou à espera da autorização da Federação Internacional e depois, sim, posso focar-me mais nos resultados. Mas a minha melhor marca, que obtive há cerca de um ano, de 7,03 metros, é algo que pretendo ultrapassar. Parte do treino passa pela forma como me desafio e como pretendo superar-me. Portanto, é assim que vou encarar os Europeus e os Jogos Olímpicos. Quero ser uma das melhores do mundo, isso está claro para mim, e também está claro que estou no clube certo para o conseguir. Tenho um excelente treinador, que tem sido determinante na minha evolução, sabe o que é competir nuns Jogos Olímpicos e é alguém com quem construí uma cumplicidade muito grande", declarou Agate Sousa.

BENFIQUISTA DESDE PEQUENA

No mundo construído de afetos, cumplicidade e desejos, não se vislumbra nenhuma desarrumação em torno dos objetivos e das ideias da saltadora. Vinda de um arquipélago pequeno, onde o benfiquismo é maior que a soma das ilhas que o compõem, Agate veste o seu sonho com as cores da paixão clubística e da eterna gratidão. Ali, na tela que as combina, estas cores são de um amor berrante, à terra que a viu nascer e ao clube que tornou parte de si, muito antes de trocar as belas praias de São Tomé e Príncipe por um clube de atletismo em Fátima.

E foi perto de um dos santuários mais icónicos do cristianismo que ocorreu o milagre com o qual Agate tinha sonhado em miúda. O chamamento do Benfica. O caminho das pedras, de repente, tornou-se num tapete raso e liso de oportunidades.

"Sou benfiquista desde miúda, o que não é difícil em São Tomé, porque é o clube com mais adeptos, é o clube que adoro, desde pequena. E cresci a sonhar, desde que comecei a levar mais a sério o atletismo. Vim para Portugal, com 19 anos, para estudar economia e talvez seguir as pisadas dos meus pais, porque a minha mãe é gestora de empresas, e o meu pai é economista, e para me dedicar ao atletismo. Por isso, quando o meu treinador me disse que o Benfica me queria, achei que o meu coração ia sair-me do peito. Que felicidade! Sou atleta do Benfica, visto o manto e estou a dar o melhor de mim para retribuir o que este clube faz por nós."

Esta é a parte em que o entrevistador pára e perde algum controlo sobre a entrevista. A parte em que a entrevistada vai buscar ao coração as palavras certas, e tudo o que se segue é de uma caótica harmonia entre o sentimento e a ambição.

"Recentemente, quando fui apresentada à equipa, nos campeonatos de pista coberta, senti um arrepio muito grande. O mesmo que sinto quando visto o manto e vou para a competição com ele. Nos campeonatos, venci o salto em comprimento e o triplo salto e ajudei, com essas vitórias, a conquistar um campeonato que o Benfica não alcançava há 30 anos. Imagina o que sentimos? Claro que houve festa rija. Pessoalmente, sinto que estou na história do meu clube, mas ainda quero mais, quero retribuir com mais vitórias, com medalhas e com o melhor de mim. Só o Benfica é que nos pode dar isto, dar estas experiências, sentir que fazemos parte de uma família e que somos parte dessa família. É tudo muito intenso e bonito."

Salto final na entrevista e com a melhor marca de simpatia, nos olhos marejados de ambição e simplicidade de Agate Sousa. Uma atleta que vale a pena descobrir. 

Artigo publicado na edição de 3 de maio do jornal O Benfica