Voleibol

16 maio 2023, 16h12

Rapha

Rapha com a família

Toda a bagagem de uma carreira de mais de vinte anos, com várias e recheadas lembranças de campeão, uma estrada repleta de curvas, num tapete alisado pelo talento e pela galhardia, e, mesmo assim, Rapha sentiu uma inédita cadência de emoções, no dia 6 de maio, no Pavilhão n.º 2 da Luz, a abarrotar de entusiasmo e de eletricidade pura e benfiquista.

Em suma, o campeão da zona 4, o homem da batida seca e forte, deixou-se vergar ao público benfiquista, sentindo-o nas costas, como uma brisa imparável, empurrando a equipa para um tetra que esta nunca havia conquistado.

"Em mais de vinte anos de carreira, nunca tinha vivenciado nada parecido. Uma coisa incrível, um autêntico vulcão. Mesmo no Benfica, onde sempre reconheci a importância do nosso público, nunca tinha visto. Um ambiente inesquecível, que nos empurrou para a vitória. Várias vezes eu pensei, durante o jogo, que aquele jogo tinha de ser nosso, não podíamos desiludir os nossos adeptos. Aliás, o nosso Presidente, antes do jogo, esteve connosco e passou-nos essa corrente positiva. Ele disse-nos que era dia de jogo da equipa de futebol, íamos ter o estádio cheio, tínhamos na Luz um ambiente de festa e de comunhão, e, então, disse-nos que tínhamos de ganhar 3-0. Mas, olhando para a arquibancada, em vários momentos do jogo, especialmente no último set, foi aí que fomos buscando as forças que nos faltavam. Aliás, eu lembro-me de pensar, quando entrei na quadra, 'isto tem de cair para nós'."

E caiu, com estrondo, classe e engenho. Uma final autêntica, que se seguiu a uma nova intermitência, nos Açores, em mais um jogo que a equipa permitiu uma reação ao adversário. Por sinal, a Fonte do Bastardo, que, desde o início da temporada, fez uma aposta muito forte no seu plantel, com o objetivo de quebrar a hegemonia clara e distinta do Benfica. O que chegou a parecer possível, no início da temporada.

"Aquelas vitórias, no início da temporada, deram-lhes essa esperança. Apanharam-nos numa fase difícil para nós, numa semana em que tivemos vários problemas e especialmente aquela vitória deles, aqui na nossa casa, deu-lhes a força de que precisavam para pensar que seria neste ano. Mas o Benfica é difícil de quebrar, e nós sabíamos que essa primeira fase do Campeonato não era decisiva. E tínhamos a Champions, pelo meio, onde conseguimos dividir os jogos com as melhores equipas europeias e sabíamos que a segunda fase do Campeonato seria diferente. Tínhamos de vencer a fase regular e levar para o play-off o fator casa, que seria importante, porque, na Luz, ninguém ganha ao Benfica", considerou Rapha, em entrevista ao programa da BTV Protagonista.

Rapha

"Em mais de vinte anos de carreira, nunca tinha vivenciado nada parecido. Uma coisa incrível, um autêntico vulcão. Um ambiente inesquecível, que nos empurrou para a vitória"

Rapha

PONTO FINAL

Quando chegou ao estúdio, para a entrevista, o atlético jogador do Benfica trazia um sorriso largo e a taça, como se fosse um seu adereço pessoal e intransmissível. Carregava-a com orgulho e felicidade. A taça de campeão, que tanto tinha custado a conquistar. E ali esteve ela, durante todo o programa, pousada em cima da mesa do estúdio, como se fosse testemunha de uma história que estava a acontecer de novo. Imponente, observadora e uma inspiração total para um atleta que relembrava aquele ponto final, do jogo e do Campeonato.

"Quando fui para o serviço, foi com a convicção de que iria fazer um ás e fechar o jogo e o Campeonato. Mas, claro, quando permitimos que eles empatassem a 23 pontos, passou muita coisa pela cabeça, depois do que se passou nos jogos disputados nos Açores. Naquele momento, passa tudo pela cabeça. Mas, no ponto anterior, eu estava fora, porque tinha entrado o André para defender o serviço deles, e eu lembro-me de ter pensado que não podíamos falhar. Tínhamos de fechar o jogo. E, de novo, o empurrão da arquibancada, foi mesmo incrível. Então, fui para o serviço com confiança e para bater pesado, para fechar o jogo. Não consegui o ás, mas quebrou a defesa deles o suficiente para o ataque deles não ser perfeito e a bola ter ido para fora. E aí, não consigo explicar mais, apenas recordo que, no meio dos festejos, alguém me apertou o pescoço, tive de me libertar, porque ainda faltava receber a taça. Mas foi incrível. Todo o trabalho de uma época difícil, creio que foi o título mais complicado de conquistar, e a torcida sentiu isso, por isso aquele ambiente no pavilhão. E depois, no intervalo do futebol, onde estávamos a ver o jogo, fomos engolidos pelos adeptos. Uma sensação indescritível, foi mesmo à Benfica. A verdade é que ser Benfica é algo que não se consegue explicar, tem de se sentir. E nós sentimos. Sou apaixonado por este clube, e senti falta dele quando estive um ano na Turquia. Foi aí que nasceu a minha filha, mas depois cresceu aqui e adora o Benfica. O meu filho, também, adora vir aos jogos, a minha mulher, que já é conhecida nos pavilhões, porque vibra muito com os jogos... Somos uma família de benfiquistas", confessou.

Rapha

"Várias vezes pensei que aquele jogo tinha de ser nosso, não podíamos desiludir os nossos adeptos. Aliás, o nosso Presidente, antes do jogo, esteve connosco e passou-nos essa corrente positiva"

SABOR A PENTA

Conquistado o inédito tetra, ainda com a emoção a embargar-lhe a voz, Rapha aproveitou a sonoridade do microfone da BTV para dar azo à sua contabilidade, muito pessoal, de títulos conquistados pelo Benfica. Festejava o tetra da equipa, mas o seu penta era a forma realista e factual de se distinguir como atleta invicto e vencedor.

"Eu disse isso, porque, na verdade, eu sinto-me penta no Benfica. Porque, no ano em que vim, o Benfica tinha perdido o título na época anterior, e recuperámos a taça de campeão nesse ano. Entretanto, eu fui para a Turquia, e nesse ano o Benfica voltou a perder o título. Não tinha como não voltar, era um desejo muito grande, meu e da família. Voltámos, e ajudei a conquistar o tetra. Por isso, eu sinto-me penta. E só não me sinto hexa porque a pandemia não deixou que vencêssemos o Campeonato nesse ano. Esse foi o ano em que eu senti que a equipa estava voando. Estávamos muito fortes e teríamos vencido mais um Campeonato. Estávamos a jogar a um nível incrível, e neste momento o Benfica estaria festejando o penta. Merecíamos ter conquistado esse Campeonato, no ano da pandemia", relembra o zona 4 do Benfica.

Rapha

"O grande André Lopes, um jogador enorme, um benfiquista muito genuíno, ia deixar-nos no final da época, e nós tínhamos essa obrigação... Não podíamos falhar ao Benfica e não podíamos falhar ao André"

A DESPEDIDA DE ANDRÉ LOPES

O título foi vibrante, mas um segredo bem guardado tocou o âmago da equipa como ferro quente. Ainda com a época a meio, em Itália, antes de um jogo da Champions, um histórico entre históricos jogadores, André Lopes anunciou a sua retirada no final da temporada. Apenas com uma exigência. Que a sua renúncia pudesse ser acompanhada da conquista da Taça e do Campeonato.

"Foi algo que guardámos para nós durante a temporada, mas foi algo de muito especial pelo qual valia a pena lutar. O grande André Lopes, um jogador enorme, um benfiquista muito genuíno, desde pequeno, ia deixar-nos no final da época, e nós tínhamos essa obrigação correndo ao nosso lado. Mais uma razão para não falharmos. Não podíamos falhar ao Benfica e não podíamos falhar ao André, porque ele nunca falhou connosco. O André, para além de um grandíssimo jogador, é uma excelente pessoa. Muito culto. Espero que não saia do voleibol, porque os seus conhecimentos serão muito úteis no futuro. Mesmo durante a semana antes da final, a despedida do André foi tema entre nós. Ainda tentámos que o André revisse a sua decisão, afinal, ela não era pública, só nós é que sabíamos, e o André mantém intactas as suas melhores características. Mas temos de respeitar, cada um sabe o que é melhor para a sua vida. É verdade que o voleibol está mais difícil, porque está cada vez mais físico, mais veloz e mais dinâmico, e isso exige de nós uma adaptação constante. Portanto, tínhamos de proporcionar ao André uma despedida digna, honrada e a ganhar estes títulos. Foi mais uma força que fomos buscar para terminar bem a temporada."

O futuro, agora, é feito de incerteza, porque essa é a natureza do desporto, mas também de uma garantia. Que apesar das saídas, nos últimos anos, de nomes grandes como os de Theo, Zelão, Honoré e agora André Lopes, o Clube mantém uma base constituída por jogadores como Violas, Ivo Casas, Pedro Lobo ou Japa, que asseguram qualidade e uma base que Rapha acredita que manterá o Benfica a vencer por mais alguns anos.

Texto: José Marinho
Fotos: Arquivo / SL Benfica
Última atualização: 2 de abril de 2025

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