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25 novembro 2020, 12h19

José Bastos

José Bastos

As Glórias, como José Bastos, são eternas! Aos 91 anos, o nosso histórico guarda-redes, que defendeu a baliza do Sport Lisboa e Benfica no primeiro grande troféu internacional, a finalíssima da Taça Latina ganha em 18 de junho de 1950 no Estádio Nacional, deixou-nos na última terça-feira, mas a memória deste herói vai perdurar para sempre entre a Família Benfiquista!

Pouco antes da célebre Taça Latina, Bastos fez a sua estreia de águia ao peito. A 12 de março de 1950 era a vez de a baliza encarnada ter como dono um jovem de 20 anos nascido em Albergaria-a-Velha. Na 21.ª jornada do Campeonato Nacional de 1949/50, o Benfica recebeu e venceu o Lusitano VRSA por 4-1, no antigo Estádio do Campo Grande. Tornou-se no mais jovem guarda-redes de sempre a estrear-se pelas águias, com 20 anos, quatro meses e 21 dias, marca que só seria superada em 2002 por José Moreira.

Meses depois da estreia, a 18 de junho de 1950, o Benfica disputava no Estádio Nacional o seu primeiro grande troféu internacional. No relvado, Benfica e Bordéus jogaram a finalíssima da Taça Latina depois de um 3-3 na final.

O Sport Lisboa e Benfica venceu por 2-1, após prolongamento, através dos remates certeiros de Arsénio e de Julinho, e festejava a primeira grande conquista europeia da centenária história da Instituição.

Bastos em jogo

Benfica-Bordéus, 2-1, ap

FICHA  
Local Estádio Nacional
Onze do Benfica Bastos, Joaquim Fernandes, Jacinto, Félix Antunes, José da Costa, José Rosário, Francisco Moreira, Rogério Pipi, Corona, Julinho e Arsénio
Marcadores do Benfica Arsénio e Julinho

Porém, a chegada até ao mítico Jamor no dia do jogo foi uma odisseia vivida pelo guarda-redes e que o mesmo contou na primeira pessoa à BTV, numa recente entrevista por altura do 91.º aniversário, celebrado a 17 de outubro último.

"Fui a pé até ao Rossio e até ao Cais do Sodré, apanhei o comboio até ao Estádio Nacional e tive de subir aquilo tudo a pé. Quando cheguei já estavam todos equipados", partilhou José Bastos.

Homem rico em história e em estórias, Bastos recordou ainda o impacto que a Taça Latina teve no futuro do Clube.

"Aquilo foi uma loucura [a conquista da Taça Latina]. O Benfica, na altura, tinha sete mil Sócios, e quando ganhou a Taça Latina passou dos 50 mil. Há aí qualquer coisa que pesa um bocado daquilo que os jogadores fizeram pelo Benfica", enfatizou.

A partir daqui assumiu a baliza encarnada, na qual esteve até 1960/61, antes de representar o Atlético CP, primeiro por empréstimo e depois em definitivo, e o Beira-Mar. Pelo Benfica foram 196 jogos oficiais e quase uma dezena de títulos (nove): 1 Taça Latina, 3 Campeonatos Nacionais e 5 Taças de Portugal.

O atletismo antes do futebol

Antes de se tornar jogador de futebol, José Bastos enveredou pelo atletismo. Corrida e salto em altura eram duas especialidades desta modalidade eclética em que dava cartas e que até o ajudaram na posição de guarda-redes.

"Fui fazer atletismo. Corria mais do que os profissionais. E depois fui para o salto em altura. Aí é que eu era bom, e ajudou-me quando me tornei guarda-redes. Saltava 1,75 metros. Quando fui para o futebol até passava por cima dos jogadores. Tenho retratos disso", elevou numa entrevista concedida ao programa da BTV "Alta Fidelidade".

"Antigamente havia algo melhor do que fazer formação. Era os campeonatos entre os bairros de Lisboa. Mouraria contra a Alfama… Era um miúdo, tinha 14 ou 15 anos e jogava com pessoas de 20, 30 e 40 anos. Ao pé do Alto de São João havia um campo de futebol e fazíamos lá torneios", completou Bastos.

A honra de jogar no Sport Lisboa e Benfica

Tal como muitos miúdos naquela altura, também José Bastos passou pelos treinos de captação dos encarnados. E foi aí que tudo começou, através de um acaso…

"A primeira vez que fui ao Benfica estavam, para aí, uns 500 miúdos e só iam ficar dois ou três. Fui um deles. Eu era jogador de campo, mas o guarda-redes aleijou-se, fui eu para a baliza e correu bem. Fiquei!", revelou.

Jogou na formação do Clube, nomeadamente nos Juniores. Ontem como hoje, representar o Benfica já era especial, como frisou a Glória encarnada ao programa da BTV "Contadores de Estórias".

"O Benfica, quando eu era júnior, era capaz de ser a equipa que pagava pior, mas jogar no Benfica era uma honra. Nem todos tinham essa honra. Estou desconfiado que havia jogadores que eram capazes de jogar no Benfica de borla", sublinhou, acrescentando de seguida: "A minha paixão é ser Sócio do Benfica desde miúdo. Sou o Sócio 2302."

Defender sem luvas e enfrentar os pelados

No Século XXI, se falarmos com algum português sobre um guarda-redes defender sem luvas, incontornavelmente a conversa acaba no Portugal-Inglaterra do Campeonato da Europa de 2004 quando Ricardo tirou as luvas e defendeu o pontapé de penálti de Vassell, no novo Estádio da Luz.

Contudo, bem antes, os guardiões das balizas de postes quadrados tinham de ter a coragem e a qualidade inata para saber parar as pesadas bolas de futebol apenas com as mãos, sem ajuda das luvas. A Glória do Benfica José Bastos foi um dos destemidos e lembrou esse tempo no programa da BTV "Vitórias e Património".

"Não existiam luvas, por isso os guarda-redes tinham de ter boas mãos. Mesmo que a bola viesse com força, ficava sempre nas mãos", confidenciou o vencedor da Taça Latina.

Os campos desse tempo – finais da década de 1940, inícios da seguinte – eram pelados, mas nada parava Bastos e seus pares. O jovem guarda-redes do Benfica era destemido. Nem a terra batida o impedia de se atirar aos pés dos avançados para captar a… redondinha.

No Brasil… sem tamancos

Nos anos 1950, o Benfica teve a oportunidade de fazer uma digressão ao Brasil. Depois do Belenenses e do Sporting, era a vez de os encarnados mostrarem a sua qualidade. Do outro lado do Atlântico, depois das goleadas infligidas aos azuis e aos leões, os brasileiros olhavam para o Benfica com alguma sobranceria, mas dentro das quatro linhas tudo mudou.

Um dos participantes nessa digressão foi o guarda-redes José Bastos. Esteve em destaque, defendeu um penálti e explicou como o Benfica espantou o Brasil.

"Houve uma vez que fomos ao Brasil jogar e os miúdos olharam para nós, para os nossos pés e disseram: 'Afinal, vocês não jogam com tamancos. Diziam que vocês jogavam com tamancos…'. E diziam isso porque o Belenenses perdeu lá 8-0, depois foi o Sporting, que fez dois jogos e perdeu sempre 5-0. E o Sporting tinha boa equipa. Nós jogámos no Maracanã com 200 mil pessoas. Empatámos com o Flamengo, defendi uma grande penalidade e voltámos a jogar com o Uruguai, que era o Campeão do Mundo [1950]. Então, no Brasil, o Benfica ficou com muita fama e já diziam que não jogávamos de tamancos", disse entre risos.

Um grande guarda-redes e uma ótima pessoa

Os Benfiquistas olham para José Bastos com o respeito que se tem a uma Glória do Clube, que ganhou uma Taça Latina. Por detrás do atleta, há o homem, e quem mais de perto privou com o homem nascido em Albergaria-a-Velha só tem elogios para partilhar.

O antigo avançado e goleador das águias Rogério Pipi, falecido a 8 de dezembro de 2019, deixou em tempos, ao canal de televisão do Clube, elogios à competência de Bastos entre os postes.

"José Bastos foi um dos melhores guarda-redes que encontrei nas minhas épocas de Benfica. Era alto, tinha boas mãos, era seguro. Saía e socava as bolas", afirmou.

E como pessoa? "Era um homem tímido, humilde, que era um pouco acanhado", considerou Rogério Pipi.

Também Artur Santos partilhou muitos anos de vida com Bastos e fez questão de deixar em palavras o que sentia pelo antigo colega e amigo.

"José Bastos é um amigo, um grande homem e uma excelente pessoa. Toda a vida o foi", realçou.

Mestre do mesmo ofício de Bastos, José Henrique, também conhecido por Zé Gato, conviveu muitos anos com um dos heróis da Taça da Latina e deu a conhecer alguns momentos à BTV.

"Conheci o José Bastos em 1959, no Campo Grande, quando fui para os Juniores do Benfica. Eu, o Artur [Santos], o José Augusto, o Palmeiro [Antunes] e o José [Bastos] andávamos sempre nas Casas do Benfica a conviver com os Benfiquistas", destacou. 

"O José Bastos, para além de ser um grande Benfiquista e um grande guarda-redes, era um homem extraordinário. Era um contador de estórias. Perto dele ninguém estava triste", adiantou igualmente José Henrique.

Neste momento de despedida a Bastos, Zé Gato não escondeu a tristeza e a emoção sentidas.

"A vida cria-nos grandes partidas e estas são as notícias que nunca gostaríamos de ouvir. Foi o último herói da Taça Latina que nos deixou. Não tinha maldade, e é uma notícia triste para os Benfiquistas e para o futebol português", apontou. 

Bastos e os amigos

"Os amigos são o melhor que se leva da vida"

Excelente cozinheiro e muito próximo dos amigos, José Bastos tinha o costume de os juntar à mesa para provarem uma das suas iguarias: a paella.

Especialista neste prato típico do país vizinho, a Glória do Benfica revelou que correu mundo por causa da paella.

"Já corri o mundo a fazer paellas. Não há nenhum sítio onde não o tenha feito", disse à BTV.

Mas a paella só fazia sentido para Bastos se pudesse partilhá-la com quem mais lhe era querido: os amigos. E, esses, eram dos verdadeiros.

"É o melhor que se leva desta vida: os amigos, almoçar com eles. Os verdadeiros amigos. Os que tenho são maravilhosos, que nos dão coração", reconheceu.

Luís Filipe Vieira Presidente Benfica

A ajuda do Presidente às Glórias do Clube

No mesmo programa "Alta Fidelidade", José Bastos enalteceu a ajuda dada pelo Presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Filipe Vieira.

"Hoje é diferente. O Presidente vê as coisas de forma diferente e faz coisas que mais ninguém faz. Disse-lhe que havia um Campeão Europeu que vivia muito mal em Portimão. Vivia na miséria. Falei nisso a alguém. Isso chegou aos ouvidos do Luís Filipe Vieira, e ele manda-lhe um cheque todos os meses", exaltou.

Texto: Marco Rebelo

Fotos: Arquivo / SL Benfica

Última atualização: 21 de março de 2024